O Meu Pedaço de Céu na Terra
Este podia ser um texto da série "Em 2016 Vou..." cuja continuação seria, Ser Mais Sustentável. É a abordagem ao tema Vestuário Em Segunda Mão, pela caneta da Plácida Mendes. Estudou Design de Moda, finalizando a sua formação com uma tese que focava a globalidade e multiculturalidade da moda. Como muitos amigos, ela foi mais uma a partir para aquele destino tantas vezes repetido, Londres. Usamos o nome da cidade levianamente, evitando o palavrão Reino Unido, pois numa cidade que muito promete, os sonhos transbordam e ficam à deriva no rio Thames. Empregos de sonho não existem, mas à beira da capital mega turística, Plácida encontrou o seu paraíso. É sobre essa experiência que nos fala...
“Heaven, I'm in heaven.
And my heart beats so that I can hardly speak.
And I seem to find the happiness I seek.”
And my heart beats so that I can hardly speak.
And I seem to find the happiness I seek.”
Frank Sinatra em tempos cantou ‘Cheek to cheek’ para milhares de fãs do romance, no
entanto a música aqui é outra e em nada se relaciona com o amor ou a afeição
que um homem sente por uma mulher, mas sim a atracão e entusiasmo de um
consumidor por produtos de consumo. Mas chamo a atenção para a música,
especialmente para os versos transcritos, pois eles descrevem exactamente o que
muitas pessoas sentem quando entram numa loja de caridade e se deparam com inúmeras oportunidades de ajudar terceiros, ao mesmo tempo que saciam a sua vontade
de consumo.
Mas
antes de descrever a minha experiência neste tipo de lojas aqui em Inglaterra, tenho que esclarecer o meu conceito de lojas de caridade, e digo o meu
conceito pois acredito que outros possam e devam ter uma ideia diferente da
minha. Pelo
que tive a oportunidade de conhecer e explorar, as lojas de caridade são e estão sempre associadas a lojas de produtos de segunda mão. Porém, penso que esse
conceito para os ingleses é um pouco diferente do conceito português, falando num
ponto de vista generalizado, é claro, isto porque aqui uma loja de caridade tem
que estar completamente e obrigatoriamente vinculada a uma causa humanitária (banco alimentar, ajuda e protecção de animais, luta contra o cancro...). Por outro lado, uma loja de produtos de segunda mão não tem essa imposição. Obviamente no final do dia o principal objectivo de ambas as lojas é a geração
de lucro, mas o que as distingue é o facto de que uma loja de caridade deve ter
como principal objectivo gerar lucro a fim de ajudar a causa que defende.
A
minha primeira experiência numa loja de caridade inglesa foi, no mínimo,
enriquecedora, na falta de palavras que melhor descrevam a minha surpresa e
entusiasmo. Para pessoas de carteira fina, como eu, fazer compras em lojas de
renome internacional sempre foi um sonho porque os produtos oferecidos pelas
requintadas marcas são etiquetados com preços que fazem nascer condomínios fechados
nas partes mais nobres da cidade, todavia, com hipérboles à parte, as lojas de
caridade aproximaram-me dessa realidade.
Foto de Buck Ennis
O
que mais me fascinou foi exactamente a forma como as organizações gerem e
organizam essas lojas de caridade de forma tão sustentável: todos, ou pelo
menos 99% dos produtos que são vendidos são doados. As doações feitas são
cuidadosamente rastreadas: os artigos em boas condições são vendidos e os que
se encontram danificados são vendidos a companhias de reciclagem ou entregues a
outras entidades para serem re-aproveitdos. Apenas em último caso são
descartados para aterros sanitários. Existem pessoas a fazerem trabalho
voluntário nas lojas com a finalidade de adquirir experiência laboral, pessoas
com limitações motoras ou intelectuais a quem é concedida a oportunidade de
fazer parte da organização e outras que fazem voluntariado com o simples
propósito de ajudar outros. Todos os passos dados são meticulosamente pensados
com a finalidade de gerar grande lucro para as causas que apoiam, mas também
com a forte intenção de envolver e unificar uma comunidade.
“Mas são produtos de segunda mão, eles nunca terão a mesma qualidade que os produtos
novos de loja”. Por favor não sigam essa linha de pensamento, pois o conceito
‘segunda mão’ quer dizer que eles pertenceram a outra pessoa antes de serem vossos,
ou seja, podem muito bem encontrar artigos novos, nunca antes usados em lojas
de segunda mão. Mesmo aqueles que já foram usados apenas são vendidos
em bom estado ou quando ainda possuam o seu valor de marca.
Ao
contrario das lojas de fast fashion, não é possível encontrares sempre o que
procuras, no tamanho e cor que queres, a preço de saldo. Mas podes encontrar
produtos com a mesma idade das bonecas de pano da tua mãe, roupas, sapatos,
malas de designers europeus/americanos/asiáticos, artigos de decoração incríveis, móveis do Ikea, brinquedos que rasgam sorrisos no rosto de qualquer criança ou adulto… E a melhor parte é que os preços nas lojas de caridade serão
sempre mais baixos que os originais e a compra irá contribuir para ajudar
uma organização/projecto digno de atenção. ‘It’s
a win-win situation’, esta é a frase que mais se adequa para descrever esta
forma de consumo. Os meus bolsos nunca precisam ser muito fundos para satisfazerem
as minhas necessidades de consumo quando se trata de lojas de caridade. Quer
dizer, se for às melhores, pois como é óbvio existem algumas que são mais caras
e outras mais baratas.
Steel do vídeo 'Thrift Shop'
‘Cheek
to cheek’ de Frank Sinatra foi o que me abriu as portas da primeira loja de
caridade que visitei em Inglaterra, e acreditem, eu não poderia estar mais de
acordo com os versos cantados pelo norte-americano. A música pode não estar em nada
relaciona com estas lojas, a não ser pelo simples e maravilhoso facto
de que muitos de nós sentem que encontraram o céu na terra quando entram e
se deixam envolver e encantar pela complexidade que estes pequenos negócios são. Mas se Frank Sinatra está muito fora da vossa geração, talvez Macklemore e Ryan Lewis descrevam
melhor o sentimento com ‘Thrift shop’:
“I wear your granddad's clothes
I look incredible
I'm in this big ass coat
From that thrift shop down the road”
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